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O Código dos Quadrinhos - Resenha por Gustavo (Rorschach), e Raline (Shayera)


Código dos Quadrinhos



Boa Noite, Londres... ou Brasil.

"São 21h00 e esta é a Voz do Timeline, transmitindo em ondas médias de 3,6 Mbps. Vinte e seis de fevereiro de 2017...

Alertamos á população que as zonas de quarentena hoje são as áreas de Gotham City, a cidade das trevas, e a Cozinha do Inferno, o bairro no qual a justiça é cega. Sugerimos que o acesso a elas seja evitado por razões de saúde e segurança...

A polícia efetuou buscas em dezessete casas de Metrópolis nesta madrugada, desbaratando o que se supõe ser uma célula anti-ética. Vinte pessoas, oito delas mulheres, foram detidas e aguardam julgamento...

Tempo bom até 0h07, quando terá início uma chuva que se estenderá até a 1h30 da madrugada...
Tenham uma boa, na verdade, uma excepcional noite!"

Esta pequena e infame introdução foi o que tive de melhor para o agora. Alguns a reconhecerão, e notarão as modificações feitas, desde já peço-lhes as mais sinceras desculpas por tamanha ousadia, alterando as palavras proferidas e redigidas pelo verdadeiro Mago Supremo, do qual, eu particularmente, sou um ávido fã e admirador. Quanto as demais pessoas, para as quais estas palavras entre aspas não fizeram nenhuma menção, ou remeteram alguma lembrança, bem.. esta é uma das obras mais magníficas escritas no amplo universo da nona arte. Deixem-me apresentá-la... seu nome é V, V de Vingança, e tudo que precisam saber é isto, nada mais, pois não quero fornecer-lhes uma resenha detalhada sobre a incrível obra de Alan Moore e David Lloyd, com Steve Whitaker e Siobhan Dodds. Sugiro apenas que busquem por tal obra e deliciem-se sobre suas páginas, ou mesmo sobre a tela vívida diante de seus olhos, neste mesmo blog.
Muitas pessoas cresceram, aprenderam, se forjaram e foram criadas e moldadas lendo ou assistindo super-heróis, tendo estes como inspirações e muitas vezes como símbolos de justiça, esperança ou simplesmente alegria. Você pode pensar que está ou sempre esteve imune as histórias deste universo (ou multiverso), mas lá no fundo eu sei que elas já lhe atingiram. A não ser que você tenha tido até hoje uma vida de completo estado de isolamento, e sem contato com os demais de sua espécie, assim como com qualquer contato uma das famosas mídias visuais, mas neste caso acho que você também não estaria lendo isto, pois tudo seria um emaranhado de letras sem sentido. Mas há outra hipótese para que você seja imune ao vírus "quadrinístico" e não tenha sofrido nenhuma influência do tipo. Talvez você tenha nascido e crescido durante os calorosos e tumultuados anos das décadas de 1950 e 1960, e tenha sido um bom garoto, mantendo-se longe das histórias repudiadas pelo senso moral da época.
A perseguição aos quadrinhos deu-se á partir do psiquiatra alemão Fredric Wertham (1895-1981), segundo o qual estes (os quadrinhos) representavam um perigo á juventude, contendo elementos subversivos e de teor anti-ético. Wertham propagava suas idéias com tamanha convicção que conseguiu atingir boa parte da população, principalmente quando remetia á questões de cunho religioso, considerando-se que na época boa parte da população era composta por protestantes.
Os principais alvos do psiquiatra foram alguns dos personagens mais marcantes do quadrinhos, principalmente Batman, sendo este sua principal "cobaia", fazendo alegações em relação ao personagem criado por Bob Kane, desde suas características violentas e sombrias, até uma inescrupulosa e desmedida menção de traços homossexuais entre Batman e seu fiel parceiro Robin, criando assim um mito que se alastrou na ignorância e impregnou até os dias atuais. Segundo Fredric, as características do homem morcego, como a vida solitária em uma mansão isolada, sem a presença de uma mulher, e apenas na companhia de seu mordomo e de um garoto mais jovem, seriam indícios de uma relação entre os personagens, algo que já foi desmentido e repudiado pelo próprio Bob Kane. Entretanto, em uma época na qual estes tipos de relações eram extremamente condenadas, principalmente em uma sociedade de cultura protestante, as afirmações de Wertham ganharam espaço e geraram o efeito esperado.
A publicação do livro Sedução do Inocente, entre os anos 1954/55, trouxe todas as teorias e afirmações de Fredric Wertham (disseminadas desde meados de 1948) á tona, popularizando de forma viral o repúdio as histórias em quadrinhos. As grandes editoras caíram de joelhos de vez quando, já encurraladas e sob forte pressão, decidiram se unir e formarem a CMAA (Comic Magazine Association Of America) ou simplesmente Associação das Revistas em Quadrinhos da América, estabelecendo assim um padrão "ético" e popularmente aceitável para os quadrinhos, dando uma garantia ao pais sobre a qualidade das revistas lidas por seus filhos, e dando origem ao Código dos Quadrinhos.
Desta forma, seguindo os preceitos morais da época, criou-se em 1954 o Código de Ética das HQs, ou o Comics Code Authority , tendo-se então o momento mais marcante (negativamente) da história da nona arte.
Neste período grandes empresas do ramo faliram, e alguns escritores caíram em decadência.
Dentre as grandes vítimas da caça ás bruxas empreendida por Wertham, podemos citar a EC COMICS (ENTERTAINMENT COMICS), de William Gaines. A revista era extremamente famosa por suas histórias de terror e horror.
Voltando ao Homem- Morcego, este teve introduzido em suas histórias a Batwoman, mais precisamente no ano de 1956, em Detective Comics #233,pelas mãos do célebre Bob Kane. O intuito era trazer para o universo sombrio e de presença meramente masculina do Batman alguém que fosse capaz de acabar com a "dúvida" á respeito da sexualidade do personagem, assim como de Robin, com a introdução da Batgirl. Curiosamente, a Batwoman,  viria a se tornar um dos maiores símbolos homossexuais nas HQs ...
O código de ética era algo extremamente reacionário, e em certo ponto pode gerar um grande estranhamento no cenário atual, mas devemos notar como ele realmente influenciou a visão que muitos tem das histórias de super-heróis atualmente, sempre com a visão pré-estabelecida de que no final o "bem" sempre venceria o "mal", algo quase infantil, tornando-se extremamente propagado em todas as mídias e formas de arte. Vejam este trecho:
"Em todas as instâncias, o bem deve triunfar sobre o mal, e o criminoso deve ser punido por seus delitos" (Normas Gerais, Parte A, 6).
Outro fato que deve ser mencionado é como esta atitude do governo, e claro da população, limitava de forma absurda a qualidade das histórias, pois os escritores tinham ali as "mãos amarradas" e não contavam com a mínima liberdade artística. Analisando alguns pontos do Código temos uma verificação clara disto...
"Policiamento, juízes, oficiais do governo e instituições respeitadas nunca devem ser apresentadas de nenhuma forma a criar desrespeito por autoridade estabelecida"  (Normas Gerais, Parte A, 3).
Esta parte contradiz totalmente alguns dos cenários mais marcantes dos quadrinhos, como Gotham e a Cozinha do Inferno, nos quais Batman e Demolidor lidam com instituições públicas completamente corrompidas pelo crime local.
"Crimes nunca devem ser apresentados  de nenhuma maneira que venham a criar simpatia com o criminoso, promover desconfiança pelas forças da lei e justiça, ou inspirar outros com o desejo de imitar criminosos" (Normas Gerais, Parte A, 1)
"Nenhum quadrinho deve apresentar explicitamente os detalhes e métodos de um crime" (Normas Gerais, Parte A, 2)
"Criminosos não devem ser apresentados de modo a ficarem glamorosos ou ocuparem posições que criem um desejo de antagonismo"  (Normas Gerais, Parte A, 5)
"Cenas de violência excessiva devem ser proibidas. Cenas de tortura brutal, uso de faca e arma excessivo e desnecessário, agonia física, gore e crime hediondo devem ser eliminadas" (Normas Gerais, Parte A, 7)
Todos estes pontos contradizem fortemente com um dos melhores personagens, senão o melhor, já criado nas histórias em quadrinhos, o Coringa. É como se Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson pegassem todas estas normas e as descaracterizassem. Entretanto, até o Coringa ficou á mercê do Code , pois a origem dele remete á 1940, e assim como outros personagens, durante as décadas de 1950/60 o gênio do crime sofreu mudanças significativas, passando a atuar como um mero palhaço ladrão, voltando a ser o grande gênio do crime apenas em meados da década de 1970, com toda sua vivacidade e terror, agora um pouco mais, claro...
Dentre as demais normas do Código, temos menções á exposições sexuais (RanXerox cumpriu bem seu papel), proibição á propaganda, ou mera aparição de bebidas alcoólicas e tabaco (Hellblazer), repúdio á aparição da mulher com denotação sexual (Canário Negro), proibição de diálogos "obscenos", "vulgares" ou "indecentes" (Garth Ennis)...
Além destes personagens e o autor citado, temos outros grandes nomes que quebraram de vez o Código (já em decadência) com suas histórias. As principais deram-se na década de 1980, com grandes nomes como Alan Moore, rasgando praticamente todo o velho Code nas páginas de Watchmen, nas quais continham temas como estupro, extrema violência, vestuários e vocábulos vulgares, críticas precisas ao poder público, incitação sexual, crise matrimonial... assim como Frank Miller, na genial história do Demolidor, intitulada A queda de Murdock, com a presença de drogas, prostituição e decadência profissional e moral. Mas o grande momento veio em Batman: O Cavaleiro da Trevas, com uma crítica dura sobre as ações do governo, trazendo um Batman ainda mais violento, sombrio e perigoso, além de contar, logo nas primeiras páginas, na edição lançada pela Panini no Brasil, com um texto do autor fazendo um relato sobre a crise no mundo dos quadrinhos iniciada na década de 1950.
Outras obras vieram e romperam de vez com a ideologia de Wertham, e vierem ainda mais pesadas que o esperado e em grande número, principalmente por Garth Ennis, com Preacher, Hellblazer, Motoqueiro Fantasma, Justiceiro, The Boys...

É importante salientar que durante o período no qual o Código dos Quadrinhos esteve em pleno vigor, muitas editoras independentes surgiram, e foram na contramão do previsto, criando histórias que continuavam a vender e agradar ao público, mesmo fora dos padrões.
Concluindo, o período de controle aos quadrinhos foi um momento marcante e de profundo impacto, tanto nas empresas do ramo, quanto nos leitores, gerando um grande período de infertilidade cultural. Entretanto, com a decadência progressiva deste momento surgiram as mais significativas histórias em quadrinhos já produzidas, como um sinal de desafogo e emersão.

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